segunda-feira, 15 de junho de 2015

Cais

Dorme a casa inteira e eu acendo. Sou irremediável, não tem cura essa urgência do silêncio. Por dentro minha alma grita. Por fora, nada além do sopro do vento. Sei o destino, não sei o caminho. Sei das flores e das pedras. 

Agora a cidade dorme.

Os notívagos penetram a madrugada como amantes. O corpo é movimento que desconhece pudor. Sei que preciso dormir, mas o mistério me seduz. Tem a lua, com quem compactuo silêncio. Vê todo o movimento calada. Se perguntam, não diz. Ali está, atenta.

Todos dormem, eu escrevo. A noite não tem regras. Não lhe pede pudor. Não te amarra. Não tem presas, não tem pressas, não tem idade. As barreiras são cortinas de apartamentos que o vento faz dançar e penetra a intimidade. Não tem a lança opressora dos olhares. A voz que existe é a do canto e só ele pode interromper meu silêncio.

À noite eu tenho medo, respirar de vida.

A noite é a língua no corpo. É o porto onde ninguém chega. O cais de onde ninguém parte.

A noite é a minha arte. O coração que bate, vivo.

A noite é o meu castigo.