terça-feira, 7 de outubro de 2014

Segunda poesia calada

@aandradevitor


O silêncio é esse abismo
Tortura das horas
Prato cheio do efeito sombrio do tempo.

Não oro enquanto escrevo
A poesia por si só é o divino
O canal direto com Deus 
Que não nos fala pela voz
Mas também não silencia.

Escrevi textos que são como rios
Fluxos sanguíneos que deságuam em mares diversos
Desafiam leis, morais, costumes.

O que não falo é o estrume,
O avesso da liberdade,
O anti-ser que aprendi a ignorar.

Mas o que escrevo são ruelas de mim
Que descaminham solitárias nos becos da sorte.

Poesia Calada


@aandradevitor


Eu te amo pelo que calas
Pelo desenho que se forma em teu silêncio
Pelo emudecer dos teus olhos.
E é melhor te amar assim:
Sob a luz da contemplação
Que torna tudo infinito e mistério.
Eu te amo mais,
Pelo orgasmo silencioso,
Pelo silêncio viril,
Pelo não pensamento do momento
Em que nossas coxas se trepam,
No rubor suado de ser um só.

Eu te amo sem janelas,
Sem portas,
Mundo inteiro do lado de dentro,
Vida inteira desenhada no passar das horas.

Duo


@aandradevitor

Não atento 
Contra o fogo
Que disparo
Nem atendo 
O teu chamado.
O ultimo por do sol
Não veio
Não veio o beijo
Paramos no meio.

Não atinjo
O que teu corpo 
Oferece
O meu senso obedece
O limite do não ser.

Não tem fim
Não é fim
Não pra mim
Pra você?

Fiz da valsa
Um samba
Não tem dança
Não é duo.


Mini-mistério

@aandradevitor


tarde de sábado, 
incensos no quarto, 
mini-mistérios:
eu precisei ficar só
para entender que ficar só
também era uma boa opção.

Avesso

@aandradevitor


Comprei flores
Acendi incensos
Ouvi Gal
Fiz poesias sem rima
Rasas
Carentes de razão.
A poesia é uma vertigem
Ilusão de movimento
Um arrancar de dentro
Cuspido em papéis.
É um vômito tonto
Pro bem e pro mal.
A minha poesia
É o avesso do Carnaval.

Noturno

aandradevitor

A cidade ainda dorme no breu do quase amanhecer
Uns repousam de orgasmos noturnos
Outros das lágrimas
Tudo é silencio
E essa não é uma poesia diurna.

As putas e os notívagos 
Retornam aos seus lares
Deuses inconscientes habitam os sonhos
Uns traçam seus destinos
Outros seguem suas intuições
E a cidade é tão bonita nessa hora
Quando o movimento do fim e do começo se atravessam
E o silêncio é um convite tentador
Ao risco de tentar ser o novo, de novo
E há algo no íntimo que não se contenta e pede mais
E grita silenciosamente
E a cidade me entende
E me grita de volta.
Conversas mudas
Que florescem nas horas.

“You don't know me
Bet you'll never get to know me”

Dívida

@aandradevitor


Quem paga essa conta
Quando a alma quer dança
E a música é fossa?

Que digam que eu possa
Que o corpo é rio e no final tudo é mar. 

E sem arrepio
O corpo é vazio
Mas vou navegar.



Banquete

@aandradevitor


Qual silêncio
Mais me é incômodo?
O do corpo quieto
Que centelha fagulhas
Ou do gozo tardio
Que é o avesso do desejo?
Não responda
Nem te cales!
Não remova as pedras
Não recorte os caules.
Não sirva à dúvida
O banquete do desejo.
Deixemos as respostas quietas
Virem à tona
Ou não:

Mas vale o silêncio oportuno
Que o meu corpo-grito
Berrando paixão. 

Deuses nus


@aandradevitor

Sabia do risco
De te ter por dentro
Deus do corpo
Visitando meu íntimo.

Com você 
Meu corpo é súplica
Implora – 
Não te demores a vir
Cuidar do que é teu.

Te esperar não me cansa
Se teu corpo alcança
O arrepiar do meu.

E é festa na cama
É fé no futuro
É dança
É grito no escuro
Escândalo de deuses nus. 



Verbo?

@aandradevitor


É o verso
Que te falta!
Tua boca oca
Vazia de mim.

Minha boca é a ausência
A parte muda
Que teu ouvido busca
Céu sombrio
No teu dezembro.

De repente 
Fez-se o verbo
Surge o verso
O medo
A música.
Depois a dança dos dedos
O corpo reconhecido
A síntese.

Depois não veio nada
A luz apagada
A estrada vazia.

Daí morreu a utopia
Faltou o verbo
Sentença incompleta
E o profundo abismo.

Coincidência

@aandradevitor

Esses corpos se vestem ausentes de luz
Puro sexo
Pura pele
Tato
Talo
Rosa
Tudo!
Sentimento mudo
Desenhando desejos.
Fomos fogo, como na poesia
Malícia
Dança dos corpos
Formas coincidentes.
O que é sobra se ausenta
Não há lugar pro que não é desejo:
Nem mesmo roupas
Nem mesmo beijos – 
Se quietos
Se santos
Se fim.

Casa

@aandradevitor



Minha carne
É animal indomável
Quando há teu cheiro.
Não há medo
Nem luto
Não há abismo
Aceito!
Teu corpo-céu
Sorri minha fadiga,
Minha fala falta
A pele alva
Queima
Cão raivoso!
Mundo imenso
Se curva
Ao meu desejo
Minha barriga
É a casa
Do teu beijo
Na loucura
Que é te aceitar:
Ser impuro-celeste!
Tal qual peste 
À tentar
Tal qual veste
Ao chão...

Corpo etéreo
Onde o abraço
É amplidão.