Resolvi escrever sobre ele para que vocês
entendam o que motivou textos anteriores. Talvez seja tarde e eu não sinta mais
nada além de um grande carinho. Talvez tenha um resto de paixão ou encantamento
que fique explícito no texto. Ao final, vocês me falam. Mas eu achei de bom tom
escrever antes que passe tudo e não tenha mais inspiração. Porque é inútil
falar por falar, escrever por escrever. É preciso que haja motivos. É preciso
inspiração. Numa feliz manifestação do destino ouço Bossa. Uma calma de verão
na voz de Nara, sem a fossa que embalavam outras palavras. Bossa, bossa e
bossa. Mas não fujamos do assunto central.
Sobre todas as coisas que vinham
dele
Eu já o tinha visto na noite em
Salvador. Inevitavelmente você vai cruzar com as mesmas caras na noite gay
dessa cidade. E isso me dá uma sensação de familiaridade que eu gosto de
sentir. Sou bom fisionomista, talvez seja do signo – a curiosidade ou necessidade
de estar atento a tudo à minha volta. Já quis fazer psicologia, gosto de
observar. Mas talvez isso não justifique. Já o tinha visto e conhecia o seu
rosto, mas nunca houve interesse. Era apenas mais um rosto conhecido dentre
todos os outros, nada especial. Até certo dia. Até certa festa que eu poderia
não ter ido e ele também não. Depois do desgaste de um envolvimento com um
infeliz com a Lua em escorpião, eu fui. Pensei em desistir, mas Rafael teria
pedido a minha cabeça numa bandeja de ouro. Não sei por que, mas eu sempre
penso em desistir quando eu tenho que me mover. O nome dessa coisa eu não sei,
talvez insegurança. Mas eu fui e tinha entrada VIP graças a um desses sorteios
que eu nunca acreditei até que a minha sorte resolveu se manifestar entre o
final de maio e início de junho. Era final de maio e maio nunca me chamou
atenção. Eu fui. Você também. Entre entradas e saídas com Dorinha se dando bem,
o abraço de Aninha, Natu em uma de suas últimas festas aqui, o turista do MAM
chegando com Dorinha e eu lembrando de Ju, ele me chamou. Tinha uma timidez
engraçada. Eu não sei como consegui ouvi-lo entre a música alta e a multidão
insana ao som dela. Mas o ouvi, teve beijo e quase sem fim. Depois falamos de
arte, de vida, de gostos – e vários em comum. Depois teve frase no mural, quase
despedida, volta pra casa de mãos dadas e perfume nas mãos e na roupa. Houve
brilho e beleza. E sorrisos incontroláveis antes de dormir. Sobre as coisas
possíveis de descrever. Outras só foram possíveis sentir. E eu senti, era o que
a mim cabia.
Depois as coisas seguiram
acontecendo com o brilho inicial de um encontro inesperado, quando o acaso nos
presenteia com pessoas que são para a vida. Teve tanto antes do silêncio de
quando tudo começou a passar. Porque esse é o curso natural das coisas. Tendem
a passar, a ficarem em silêncio, mesmo que quando é apenas para uma das partes.
Mas é sempre assim, primeiro passa para um, depois para o outro. E quando se
tem sorte, tudo vira lembrança feliz. Com saudades um pouco chatas, bem verdade.
Mas que silenciam diante da beleza do acontecido. É assim que funciona.
Sobre ele
Falava baixo, mas se empolgava de
uma maneira bonita certas vezes. Tinha uma franja que sempre ajeitava. Sabia de
arte com uma sensibilidade única. Era de gêmeos. Gostava de rock. Pintava
quadros na infância. Tinha um caderno com as frases preferidas e uma
dedicatória de uma ex-namorada que me pareceu igualmente linda. Adorava a
Concha, visitava exposições. Sugeriu um nome certeiro para “A delicadeza do
amor”. Amava Closer e Cisne Negro e eu amava Julia Roberts e Natalie Portman.
Queria fazer uma tatuagem depois desistiu. Era inteligente como poucos.
Inteligência e bom papo parecem estar em falta no mercado dos seres humanos.
Ah, tinha a futilidade necessária para não se tornar um chato intelectual.
Sabia curtir a vida. Quando sorria os olhos ficavam ainda menores. Às vezes só
esticava os lábios. Era sereno, mesmo quando não era pra ser. Era dessas poucas
pessoas que quando a gente encontra agradece a Deus.
E sendo assim, a gente muda o roteiro só para
não colocar um ponto final. Encerra um ciclo, para que outro venha. Tudo é
questão de tempo.