terça-feira, 17 de julho de 2012

Sobre os ciclos que se encerram


Resolvi escrever sobre ele para que vocês entendam o que motivou textos anteriores. Talvez seja tarde e eu não sinta mais nada além de um grande carinho. Talvez tenha um resto de paixão ou encantamento que fique explícito no texto. Ao final, vocês me falam. Mas eu achei de bom tom escrever antes que passe tudo e não tenha mais inspiração. Porque é inútil falar por falar, escrever por escrever. É preciso que haja motivos. É preciso inspiração. Numa feliz manifestação do destino ouço Bossa. Uma calma de verão na voz de Nara, sem a fossa que embalavam outras palavras. Bossa, bossa e bossa. Mas não fujamos do assunto central.

Sobre todas as coisas que vinham dele

Eu já o tinha visto na noite em Salvador. Inevitavelmente você vai cruzar com as mesmas caras na noite gay dessa cidade. E isso me dá uma sensação de familiaridade que eu gosto de sentir. Sou bom fisionomista, talvez seja do signo – a curiosidade ou necessidade de estar atento a tudo à minha volta. Já quis fazer psicologia, gosto de observar. Mas talvez isso não justifique. Já o tinha visto e conhecia o seu rosto, mas nunca houve interesse. Era apenas mais um rosto conhecido dentre todos os outros, nada especial. Até certo dia. Até certa festa que eu poderia não ter ido e ele também não. Depois do desgaste de um envolvimento com um infeliz com a Lua em escorpião, eu fui. Pensei em desistir, mas Rafael teria pedido a minha cabeça numa bandeja de ouro. Não sei por que, mas eu sempre penso em desistir quando eu tenho que me mover. O nome dessa coisa eu não sei, talvez insegurança. Mas eu fui e tinha entrada VIP graças a um desses sorteios que eu nunca acreditei até que a minha sorte resolveu se manifestar entre o final de maio e início de junho. Era final de maio e maio nunca me chamou atenção. Eu fui. Você também. Entre entradas e saídas com Dorinha se dando bem, o abraço de Aninha, Natu em uma de suas últimas festas aqui, o turista do MAM chegando com Dorinha e eu lembrando de Ju, ele me chamou. Tinha uma timidez engraçada. Eu não sei como consegui ouvi-lo entre a música alta e a multidão insana ao som dela. Mas o ouvi, teve beijo e quase sem fim. Depois falamos de arte, de vida, de gostos – e vários em comum. Depois teve frase no mural, quase despedida, volta pra casa de mãos dadas e perfume nas mãos e na roupa. Houve brilho e beleza. E sorrisos incontroláveis antes de dormir. Sobre as coisas possíveis de descrever. Outras só foram possíveis sentir. E eu senti, era o que a mim cabia.

Depois as coisas seguiram acontecendo com o brilho inicial de um encontro inesperado, quando o acaso nos presenteia com pessoas que são para a vida. Teve tanto antes do silêncio de quando tudo começou a passar. Porque esse é o curso natural das coisas. Tendem a passar, a ficarem em silêncio, mesmo que quando é apenas para uma das partes. Mas é sempre assim, primeiro passa para um, depois para o outro. E quando se tem sorte, tudo vira lembrança feliz. Com saudades um pouco chatas, bem verdade. Mas que silenciam diante da beleza do acontecido. É assim que funciona.


Sobre ele

Falava baixo, mas se empolgava de uma maneira bonita certas vezes. Tinha uma franja que sempre ajeitava. Sabia de arte com uma sensibilidade única. Era de gêmeos. Gostava de rock. Pintava quadros na infância. Tinha um caderno com as frases preferidas e uma dedicatória de uma ex-namorada que me pareceu igualmente linda. Adorava a Concha, visitava exposições. Sugeriu um nome certeiro para “A delicadeza do amor”. Amava Closer e Cisne Negro e eu amava Julia Roberts e Natalie Portman. Queria fazer uma tatuagem depois desistiu. Era inteligente como poucos. Inteligência e bom papo parecem estar em falta no mercado dos seres humanos. Ah, tinha a futilidade necessária para não se tornar um chato intelectual. Sabia curtir a vida. Quando sorria os olhos ficavam ainda menores. Às vezes só esticava os lábios. Era sereno, mesmo quando não era pra ser. Era dessas poucas pessoas que quando a gente encontra agradece a Deus.

E sendo assim, a gente muda o roteiro só para não colocar um ponto final. Encerra um ciclo, para que outro venha. Tudo é questão de tempo.

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